quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Jesus: Parábola de Deus - Recensão

TAVARES, Sinivaldo S. Jesus: Parábola de Deus. Cristologia narrativa. Petrópolis: Vozes, 2007. 91p.


O autor é frade franciscano, doutor em teologia sistemática. A obra procura aprofundar os gestos e palavras do Jesus concreto e suscitar o seguimento à sua mensagem de coerência entre palavra e ação.
O prólogo, que prepara terreno para os cinco capítulos do livro, chama atenção para um problema atual que também foi dos contemporâneos de Jesus: separar divino e humano. Estas duas realidades não se opõe mas se potencializam. Isso é dito numa expressão carente de maiores esclarecimentos: “só é realmente divino o que for também profundamente humano” (p. 9). O que é ser humano? O mesmo se dá com as seguintes expressões: “O próprio Jesus se nos revelou como alguém tão humano que só podia ser divino. [...] [divino e humano] são na verdade, reciprocamente implicados” (p. 10).
A aproximação a Jesus é feita, ao longo dos capítulos, pelas relações constitutivas de sua vida: a referência ao Reino e a íntima relação com o Pai.
1. Jesus anuncia e torna presente o Reino de Deus. Este é o diferencial do ministério de Jesus. O Reino como expressão do amor de Deus, proximidade e graça oferecida a todos. Ao contrário do Batista, que no deserto esperava que viessem os arrependidos para serem batizados, Jesus é quem vai ao encontro e anuncia a salvação. A conversão já não é condição para a salvação mas resposta.
A intimidade de Jesus com Deus, experimentado como Abbá, é sua característica e transparece na sua atitude de autoridade sobre a Lei e tradições, no perdoar pecados, na consciência de ser o último dos profetas, na fidelidade e doação de vida.
No subtítulo “No mundo, a presença gratuita e interpeladora do Pai” se justifica o título do livro. A parábola não é um recurso meramente didático, visto que “evoca mais do que define. Acena mais do que delimita” (p. 22). Através de parábolas, Jesus convida a olhar as coisas e perceber a presença reveladora de Deus. Nas situações mais insignificantes e rotineiras Ele se revela em sua dimensão mistérica.
Jesus, consciente de sua missão, testemunha o amor gratuito do Pai não só por palavras mas por atitude. A escolha da Galiléia (lugar dos pobres), a escolha dos apóstolos (o Mestre escolhe os discípulos), o narrar parábolas (tirar Deus do formalismo) demonstram a coerência com a própria pregação de proximidade e intimidade com o Pai e com os irmãos.
Jesus dialoga com todos, indistintamente. Leva as pessoas a falarem de si e lhes dá direito à expressão. Tem ternura e cuidado especial para com os excluídos, denunciando a injustiça. Exclui o discurso de méritos, recompensa e retribuição na relação com Deus, revelando o amor misericordioso e gratuito.
2. Paixão e morte de Jesus. Resultado da rejeição de sua pessoa. Tentativa de desacreditar, banir sua pregação, que vai de encontro aos interesses e privilégios de alguns.
Jesus acolhe sua própria morte com extrema liberdade, como coroação da vida. Acolhe a oposição e a incompreensão como ocasião de se aprofundar na fidelidade ao Pai e amadurecer seu projeto. Essa atitude é desconcertante: não se rebela, revolta ou resigna. Ele mesmo se entrega. Mais uma vez é sinal de sua coerência de vida, entrega generosa e desinteressada.
Nem Jesus nem o Pai desejam diretamente a morte. Esta é aceita como gesto de fidelidade e coerência. As palavras de Jesus no Getsêmani (e não no Gólgota, segundo equívoco do autor, p. 45) expressam essa fidelidade e solidariedade extremas: “Abbá, Pai, tudo te é possível: afasta de mim este cálice, mas não seja o que eu quero senão o que tu queres”.
3. Ressurreição de Jesus e efusão do Espírito Santo. “A ressurreição de Jesus não deve ser interpretada como um fato acontecido depois da sua morte, numa espécie de sucessão cronológica” (p. 49). A ressurreição testemunha a sua morte. O Ressuscitado é o mesmo Crucificado. Os relatos das aparições sublinham essa identidade.
Ressuscitando Jesus, o Pai garante a verdade de sua mensagem. A ressurreição é a plenificação da existência de Jesus e só pôde ser assim compreendida com os anos de convivência e relação de Jesus. Após a ressurreição nova luz é lançada nos acontecimentos do passado.
Com a Ressurreição inicia-se a era escatológica. O Pai garante um final bom para a humanidade.
Uma volta à hora da cruz para falar do Corpo de Cristo: o Espírito Santo, presente nessa hora do cumprimento da missão, é entregue à Igreja, desvelando todas as virtualidades e potencialidades da realidade humana e cósmica.
O Cristo cósmico é aquele Primogênito pelo qual todas as coisas foram criadas. Como Ressuscitado é também recapitulador de toda criatura, sua realização máxima.
4. Jesus Cristo e a comunhão trinitária. Em todo o livro se faz referência à ação da Trindade. Na vida de Jesus a presença explícita é na morte, na aparente ausência.
As narrações da paixão são feitas em torno das “entregas”: a que o Filho faz de si; a que o Pai faz do seu Unigênito; a que o Pai e o Filho fazem do Espírito Santo à humanidade.
Os eventos significativos da pessoa e da missão de Jesus são narrados com perspectiva trinitária porque reinterpretados segundo os acontecimentos pascais, particularmente: anunciação, batismo, tentações e transfiguração. Todos estes relatos aludem à efusão do Espírito Santo como inauguração dos tempos messiânicos que culminará com a efusão sobre a comunidade.
5. Quem é, afinal, Jesus Cristo? “Quem as pessoas dizem que eu sou?” – Todo conhecimento acerca de Jesus nos vem através de outros, da tradição eclesial. Os evangelhos não tratam primariamente da pessoa histórica de Jesus mas da experiência das primeiras comunidades com Ele, que transformou radicalmentesuas vidas.
“E vós, quem dizeis que eu sou?” – É tarefa da cristologia purificar as expressões de fé da comunidade eclesial atual, confrontando com o testemunho da Escritura. A cristologia procede desconstruindo imagens e concepções da nossa experiência de fé e construindo o rosto fiel de Jesus segundo as primeiras comunidades e a tradição eclesial. Há o risco (“o riso”, leia-se “o risco”. p. 75) de criar-se um Cristo à nossa imagem e semelhança, submetendo-o aos nossos caprichos e interesses.
É legítima a pluralidade de concepções e imagens de Jesus Cristo, pois exprimem a diversidade de experiências de fé. Mas que se submetam ao crivo da Escritura.
“A solidariedade entre história e fé”. Neste subtítulo se justifica o subtítulo da obra: Cristologia narrativa. A profissão de fé das primeiras comunidades testemunha uma estrutura narrativa. O anúncio de que, ressuscitando Jesus dentre os mortos, Deus levou à máxima perfeição seus desígnios, constitui uma interpretação de fé de um evento histórico. O anúncio pascal é o objetivo do Segundo Testamento e é o que suscita a história das comunidades primitivas e atuais.
“A relação entre Jesus e nós” só é possível aprofundando-se as relações constitutivas de Jesus. Ele que transcendeu seus condicionamentos biográficos e sociais porque viveu intensamente e em plenitude sua existência ordinária e circunstanciada. Para a cristologia, o método menos inadequado é o da escuta: o que nos é dito ao nos relacionarmos com Ele.

Apreciação


O livro segue do início ao fim o método proposto de captar a mensagem de fé do evento histórico Jesus. Não se perde em especulações de “como” ou análises descritivas. Leva o leitor a captar a mensagem perene de Jesus Cristo, que vivendo no tempo, soube transcendê-lo.

por Márcio Carvalho da Silva

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